Captação de Recursos
Fonte: Manual Turismo de Aventura - Busca e Salvamento
Autor: Roberto M.F. Mourão, EcoBrasil
"Captação de Recursos é o processo de solicitação de apoio financeiro (geralmente como doações) por uma causa não comercial." (Process of soliciting financial support - usually as grants, for a non-commercial cause.) Business Dictionary
Estudos de Caso (2006)
Tartaruga Verde (Chelonia mydas) © Zaira Matheus, Tamar
A Experiência do Projeto TAMAR
As tartarugas marinhas estão desaparecendo. A partir de denúncias, inclusive internacionais, o Ibama criou em 1980 o Projeto Tamar, com a finalidade de preservar as espécies de tartarugas que desovam no litoral brasileiro e que corriam o risco iminente de extinção. Para se ter uma idéia da importância deste projeto, das oito espécies que habitam os mares do planeta, cinco freqüentam o litoral brasileiro na época da desova.
Seus principais predadores eram os pescadores que viviam próximos às áreas de nidificação, que costumavam matar animais para comer, além de vender os cascos e colher os ovos.
O trabalho concentrou-se na conscientização das populações praieiras sobre a importância da preservação destes répteis, buscando alternativas econômicas para sua sobrevivência. Esta estratégia, criada a partir de um trabalho inicial de dois anos de pesquisa em todo o litoral, ainda é a principal meta do projeto. Foram abordados, portanto, dois aspectos importantes, sob a ótica social: o cultural, já que as tartarugas e seus ovos faziam parte do cardápio e garantiam a alimentação dessas populações durante um determinado período do ano; e o econômico, possibilitando reverter este processo, transformando os antigos predadores em defensores e preservadores das tartarugas.
A forma encontrada foi a contratação, pelo Tamar, destes pescadores, que passaram a patrulhar as praias em busca de ninhos. Quando estão posicionados em locais que oferecem riscos aos filhotes, os ninhos são transferidos para trechos mais protegidos ou para os "cercados de incubação", situados nas bases do Tamar. Quando os ovos eclodem, os filhotes são levados de volta às praias durante a noite para que alcancem o mar. Esse trabalho é orientado e monitorado por profissionais da área biológica, que prestam assessoria permanente.
Criar condições de trabalho para essas populações, manter as sedes, o quadro de profissionais, estagiários da área científica e insumos representa uma pesada folha de pagamentos para um projeto que possui hoje 22 postos, de São Paulo até o Ceará. Sem a participação de patrocinadores e de um brilhante trabalho de obtenção de recursos próprios, isto não seria possível.
Hoje (2206), o Tamar movimenta um volume de recursos na ordem de US$ 1,6 milhão anuais e o maior volume de recursos em 1995 foi obtido através da venda de produtos.
Recursos próprios
O Tamar, como todos os projetos conservacionistas, sofre as conseqüências da recessão econômica mundial, obrigando-se a estabelecer prioridades para obtenção de recursos. Sempre atuou com doações de empresas estatais ou privadas, mas o tempo mostrou que a auto-sustentação é necessária, para deixar a instituição mais enxuta e ágil para continuar cumprindo seus objetivos.
Atualmente, a maior preocupação reside em ampliar ainda mais suas fontes de recursos próprios. Por vários motivos, o Tamar cresceu muito e o volume de gastos para sua manutenção não permite grandes flutuações no recebimento de verbas. Quanto mais o projeto depender apenas de seu próprio esforço, mais estabilidade terá. com a venda de produtos e prestação de serviços, sempre há soluções criativas para enfrentar as oscilações do mercado. A decisão de aumentar as fontes de recursos independentes resultou da constatação de que não havia condição de manter um planejamento executivo estável sem assegurar previamente um orçamento estável.
Normalmente, os contratos de patrocínio são anuais, o que implica alto risco. A descontinuidade administrativa dos órgãos governamentais deixa o Projeto à mercê de decisões orçamentárias e de decretos inesperados. A experiência do Tamar mostrou que é possível prever uma certa pontualidade nas remessas, mas não quando ou como o recurso será recebido. Dos patrocinadores de peso, os recursos dependem da quantidade e da qualidade do retorno que obtiverem com a veiculação e divulgação de suas marcas anexadas ao Projeto. Esses recursos também podem sofrer a influência de outros fatores, como desgastes provocados pela mídia (ver "Imprensa", mais adiante), queda no orçamento, problemas de volume de divulgação com outros patrocinadores ou, simplesmente, porque a empresa já utilizou demasiadamente o nome do Projeto e resolveu mudar.
O Tamar, por abranger regiões geograficamente distintas, procura adaptar-se às características próprias de cada local, aproveitando aqueles que têm maior visitarão pública para explorar os programas especiais de adoção de tartarugas (ver "Adote uma Tartaruga"), venda de produtos como camisetas, brindes, bijuterias, etc., sempre relacionados e identificados com a marca Tamar. É importante lembrar que grande parte do material vendido é fabricada pela própria comunidade envolvida no projeto. Isto permite a circulação de dinheiro dentro da comunidade, evitando o deslocamento de recursos para outras áreas.
Sede e Base do Projeto Tamar na Praia do Forte, Bahia © Tamar
Sedes do Projeto Tamar
Na sede na Praia do Forte, Bahia, a função da base é mais institucional, de representação. Além do trabalho de preservação, lá são desenvolvidas atividades ligadas ao turismo, sua principal indústria. O objetivo é preparar a comunidade para trabalhar na área de atendimento ao turista, de modo adequado às necessidades do projeto. Para isso, foram construídos viveiros, tanques com exemplares de tartarugas, quiosques para a venda dos produtos me uma cantina. Recentemente, foram incluídos no projeto cursos de guias mirins para as crianças da comunidade, que acompanharão os turistas, fornecendo importantes noções de educação ambiental durante as visitas.
Com relação ao turismo, a principal fonte de recursos está no próprio pátio do projeto. Somente a cantina, por exemplo, em 30 dias, rende um volume de recursos maior que a doação anual de uma das mais significativas entidades internacionais. Naturalmente isto representa trabalho extra exigindo que os administradores passem a se preocupar com a quantidade de bebidas que há no freezer ou se há sanduíches suficientes que não pode interferir nos objetivos fundamentais do projeto, mas precisa ser feito, pela importância que tem como meio de captação de recursos.
O principal pólo produtor do projeto fica no Espírito Santo. O trabalho começou com a necessidade de confeccionar camisetas promocionais e de divulgação, que eram distribuídas aos pescadores e à comunidade local. Inicialmente, as camisetas eram feitas numa oficina de "fundo de quintal", depois transformada em cooperativa e atualmente administrada pela Fundação Pró-Tamar (ver adiante).
Lá, são produzidos camisetas, bonés, calcinhas, cangas, sungas, todos com a marca Tamar. Os resíduos são doados para pessoas que produzem estopas, tapetes de retalhos, tartaruguinhas de pano. Ao longo do ano, são realizados cursos de matelacê, macramé, pintura em tecido, etc. Mesmo contando com fornecedores externos, o Tamar dá preferência para o material produzido pelas comunidades envolvidas no projeto, nos diversos estados.
Hoje, no setor de produção, na área de preservação, fiscalização e demarcação de áreas, trabalham 60% dos membros dessas comunidades. Isto fez com que o choque produzido inicialmente pela proibição da caça à tartaruga fosse plenamente compensado, convertendo-se em benefícios financeiros para o projeto e para a comunidade. Atualmente, além de projetos de caráter social, está sendo reformada uma pousada, onde os moradores do local irão trabalhar; a parte administrativa e jurídica ficará a cargo da Fundação.
Esses são apenas dois exemplos do projeto, que se expande a cada dia, multiplicando sua área de atuação, tanto sob o ponto de vista da produção ou de serviços direcionados, quanto da arrecadação de recursos destinados à área de atendimento social das comunidades, investindo, por exemplo, na criação de creches e barcos-escola, para o ensino de pesca em alto mar.
Técnica solta tartaruguinhas em praia de Arembepe, Bahia © Tamar
Adote uma Tartaruga Marinha
Um dos braços de captação de recursos é o programa "Adote uma Tartaruga Marinha", criado por dirigentes do projeto. Inicialmente direcionado para os turistas estrangeiros que visitavam a Praia do Forte e deixavam lá seus endereços para correspondência, sofreu algumas modificações ao longo do tempo. A partir da sugestão de uma consultora italiana, ligada a uma organização internacional, a idéia evoluiu e hoje o programa procura atingir qualquer turista, brasileiro ou estrangeiro, no momento em que ele visita a Praia do Forte. Uma das empresas privadas que apóia o projeto patrocinou a produção de todo o material da campanha, como o Certificado de Adoção e peças complementares: folhetos, fichas, anúncios, etc., criados por sua agência interna.
Quem adota uma tartaruga, ao custo de R$ 50,00, tem direito a lhe dar um nome e recebe o certificado, uma camiseta ou uma visita noturna à praia, onde poderá acompanhar os biólogos em sua rotina de trabalho e até, se tiver sorte, poderá ver um tartaruga desovando ou centenas de filhotes rumando para o mar. E ainda concorre a uma viagem de avião, de qualquer lugar onde a Varig opera, à Praia do Forte, com direito a um acompanhante e hospedagem de luxo durante uma semana.
Apenas um anúncio deste patrocinador em uma revista nacional de grande circulação possibilitou cerca de mil adoções por correspondência.
Técnico acompanha desova de tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea) © Tamar
Os Patrocinadores
O apelo do Tamar é a preservação das espécies de tartarugas que desovam no litoral brasileiro e estão ameaçadas de extinção. A tartaruga é um réptil que pesa de 100 a 300 quilos e põe entre 100 e 500 ovos em duas, três ou mais posturas. Ao desovar, deixa um rastro na praia, ao longo do qual nasce um grande número de tartaruguinhas, que dão um espetáculo a caminho do mar. Isto tem um valor visual e carismático muito grande, que facilita na relação com o público e, conseqüentemente, com o interesse dos patrocinadores potenciais.
O Tamar conseguiu se aproximar das empresas que atuam nas áreas próximas ao projeto, o que facilitou e viabilizou o investimento, além das empresas de grande porte que atuam em nível nacional, interessadas em qualquer projeto, independente de sua localização, desde que relacionado de algum modo com sua área de atuação.
As fontes de recursos podem ser divididas, simplificadamente, em quatro grupos: o Ibama; as empresas de grande porte, estatais ou não; as empresas privadas de médio e pequeno porte; recursos independentes.
O Ibama, enquanto órgão governamental criador do projeto, fornece parte da mão de obra e dos recursos financeiros que o viabiliza, além de dar o suporte legal às ações. Por se tratar, portanto, de um projeto governamental, a marca do Ibama deve estar presente em todas as publicações e produtos Tamar, visto que faz parte de sua logomarca.
As empresas de grande porte, tanto as estatais quanto as privadas, sempre apresentam uma dificuldade proporcional ao seu porte para gerenciar sua imagem junto ao projeto. Isto porque sua massa burocrática é lenta e/ou não está empenhada em marcar seu nome junto às campanhas ou programas desenvolvidos. Uma idéia apresentada pode levar meses para ser aprovada, dependendo de reuniões, disponibilidades deste ou daquele funcionário, férias e outros imprevistos. Em alguns casos, o período propício para a participação termina e nada ou pouca coisa acontece. Muitas vezes, um patrocinador menor, com maior visão de mercado, encampa a idéia e, embora não participe com uma verba significativa, dá todos os subsídios para que haja retorno financeiro. A partir, por exemplo, da venda de produtos, acaba se destacando na mídia e criando "ciúmes" nos patrocinadores de maior porte, que atribuem ao Tamar a responsabilidade de divulgá-los, obrigação que, na realidade, é de cada empresa.
As empresas de médio e pequeno porte, portanto, podem ser mais acessíveis, ágeis e espertas. Estão ligadas ao projeto com a intenção principal de melhorar sua imagem diante da opinião pública, aproveitar a veiculação gratuita de sua marca nas matérias jornalísticas e identificar seus produtos com a natureza. Nem sempre o volume de recursos repassados por essas empresas como patrocínio é alto (todo o patrocínio, de qualquer valor, é sempre bem-vindo), mas o fornecimento de meios para que o próprio projeto venha a obter esses recursos é importante e viabiliza a execução de programas (p.ex. "Adote uma Tartaruga") que trazem retornos indiretos. Saber aproveitar um determinado momento, sugerir idéias, criar soluções, fornecer material impresso, veicular o projeto em seus anúncios, são formas inteligentes de agir.
O maior retorno dos patrocinadores é a divulgação do nome da empresa associado ao projeto, o chamado "marketing ecológico". O grande problema é saber pesar os volumes dessa divulgação. A relação com os patrocinadores é, em geral, complicada e instável. Assegurar que todos os patrocinadores se mantenham satisfeitos - ou, pelo menos, não insatisfeitos - é uma tarefa ingrata. É muito difícil agradar todos os patrocinadores, todo o tempo. Na realidade, cabe ao patrocinador promover sua própria divulgação, e isto deve ser coordenado pela ONG, para que não haja um desequilíbrio de valores.
No caso do Tamar, alguns patrocinadores de pequeno porte às vezes criam problemas ao aparecerem na imprensa com o mesmo peso de um grande patrocinador. É preciso saber dimensionar o espaço de divulgação de cada um dos patrocinadores, para que não haja injustiças e privilégios.
Já houve casos inversos, de grandes patrocinadores que participaram com somas consideráveis e que, por motivos próprios, não desejavam aparecer, assumindo um low profile, isto é, sem propaganda ou divulgação de seus nomes. Com o tempo e o crescimento do projeto, que se tornou conhecido internacionalmente, um desses patrocinadores, sentindo-se prejudicado e sofrendo pressões internas, foi pouco a pouco diminuindo sua participação. Na realidade, o patrocinador não foi muito zeloso com sua imagem e com a divulgação de sua marca, mas foi o projeto quem sofreu as conseqüências.
Centro de visitantes e educação ambiental no Balneário de Guriri, ES © Tamar
A Fundação Pró-Tamar
A Fundação Pró-Tamar foi criada em 1988, quando já existiam as ferramentas, o apelo e um programa a ser executado. Hoje, mais de 60% dos recursos do Tamar são gerados e administrados pela Fundação. A equipe inicial era formada por pessoas que estavam envolvidas com o programa e todos tinham a energia e o feeling necessários para melhorar a dinâmica: os recursos para ampliar o trabalho de campo e as metas para a orientação do pescador.
Com todos os problemas de ordem legal e administrativa que as entidade ambientalistas habitualmente enfrentam, o Tamar chegou à conclusão que a criação de uma Fundação, dadas as suas características, poderia resolver - e resolveu - vários problemas, como as questões trabalhistas, pois muitos pescadores e membros da comunidade que trabalham para o projeto tornaram-se funcionários da fundação. Além disso, a fundação pode ordenar a geração de recursos, organizando a captação junto a empresas privadas e doadores individuais, viabilizando a produção e a venda de camisetas, brindes, bijuterias, brinquedos, etc.; e implementando equipamentos e atividades para dar suporte às populações praianas carentes, como creches, barcos-escola e outros.
A Fundação Pró-Tamar tem uma estrutura enxuta, com diretoria, conselho de curadores, conselho fiscal e cargos administrativos. A administração está distribuída em cinco bases regionais, que recebem as informações da base nacional e as distribuem aos demais pontos bases. A assessoria jurídica e contábil nacional é centralizada e, em nível regional, os contadores acompanham o padrão geral da fundação. Um plano de contas, desenvolvido anualmente, orienta toda a atividade, modificando-se e adaptando-se ao dinâmico perfil da entidade. Anualmente, a Fundação apresenta a todas as fontes de recursos um balanço do destino das doações.
A Fundação também presta consultorias especializadas, muitas vezes às próprias empresas patrocinadoras.
Além disso, também pleiteia recursos na esfera governamental.
Turistas do navio Polar Star observam soltura de tartaruguinhas em Fernando de Noronha © Roberto M.F. Mourão, EcoBrasil, 2007
Captação de Recursos
- Captação de Recursos: Introdução
- Captação de Recursos: Matriz de Captação de Recursos
- Captação de Recursos: Procedimentos para Captar Recursos
- Captação de Recursos: Parcerias
- Captação de Recursos: Relação "Comercial"
- Captação de Recursos: Relação Captador-Doador
- Captação de Recursos: Planejamento Estratégico
- Captação de Recursos: Conselhos Preliminares
- Captação de Recursos: Captação de Recursos no Brasil
- Captação de Recursos: Doadores
- Captação de Recursos: Organizações Sociais / Ongs
- Captação de Recursos: Projeto Tamar
- Captação de Recursos: Programa MPE Funbio
- Captação de Recursos: Lista Doadores / Patrocinadores